Raízes da Comunicação: Plantando Umbigos e Cultivando Conexões Ancestrais
Sou descendente quilombola porque o umbigo de meu pai foi plantado no quilombo.
Plantar o umbigo na terra é muito presente na cultura das comunidades negras, quilombolas e saramakas. O filho que ao nascer a mãe enterra o umbigo e cria um laço de amor ao seu lugar – eu sou descendente quilombola porque o umbigo de meu pai foi plantado no quilombo.
O mesmo ato é feito pelo saramaka do outro lado da fronteira, na Guiana Francesa – "Oyapock, a mo péyi, a la mo ké rété, oui a la mo ké rété, paské a la mo lombri planté…" tradução "Oyapock, é meu país, e é aqui que eu vou ficar, sim é aqui que eu vou ficar, por que foi nessa terra que meu umbigo foi plantado..." - isso é comunicação ancestral.
Sempre levei minha curiosidade – como esse ato se dá lá e se dá aqui? Mesmo separados por um rio?
Da forma de comunicação de comunidades distantes umas das outras, de continente a continente, formas de vidas que se uniram pelas ondas do mar, viajaram pelas ondas e rajadas de vento, pelas fumaças, de alguma forma a comunicação se fez.
A transmissão da informação solidificou-se pelas rodas do diálogo constante da cultura; o que se canta num determinado lugar, comunidade, vai ser cantado e vivido por outra do “lado de lá” do planeta, como de Marrocos a Mazagão, sim, a conexão dos ancestrais com os descendentes, como uma genealogia que integra costumes, crenças, modo, trejeitos. No acalanto de uma mãe amamentando, na labuta do pai no roçado, no cultivo de sua cultura, participação nas atividades culturais, aprender fazendo, falar falando.
Essa tecnologia ancestral - subliminar - conecta uns aos outros por indução “umbilical, no sentir e no falar. Essa forma vem se aliando às estruturas contemporâneas, o universo se investe, pois a sabedoria popular da comunicação foi há muito tempo enlatada e transformada em lucro para o mundo capitalista. A inversão é transformar a comunicação das comunidades, mesma linguagem; com idiomas diferentes, mesmos dizeres e causos, com amplificação de ondas a serem captadas - sentimento.
Numa roda de conversa levadas pelo vento, o ar é livre para que possa ter espaço para fluir o conhecimento, tornar coletivo, coletivo de um povo, feito um código a ser decifrado pela essência da percepção da ancestralidade, a sabedoria de quem transmitiu a resistência: negro, índio, excluídos.
Comunicação a serviço da comunidade de forma livre e compreensível a todos, pois os meios de comunicações fazem uma frente pela alienação do povo. Quando uma comunidade se organiza pela comunicação, abala as estruturas, a comunicação integra a sociedade mesmo que isolada, como um índio que nunca precisou dos grandes centros; com toda a estrutura, sobrevive do seu locomover, do seu falar, do seu comunicar.
Planto um umbigo para se comunicar.
Por João Ataíde."
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