O SILÊNCIO QUE ECOOU EM TARTARUGALZINHO
Por Marven Junius Pitts Franklin

O disparo que tirou a vida de Edinaldo Reis Santos Junior aconteceu em Macapá, mas sua dor foi maior que a geografia. Atravessou rios, correu por estradas, voou pelos ventos e se alojou fundo no peito de Tartarugalzinho. Um som seco, cruel, sem alma — e, de repente, um homem bom se calou para sempre. Sem motivo. Sem chance. Sem adeus.
Edinaldo não era apenas pai. Era esposo, era filho, era ex-conselheiro tutelar — desses que cuidam dos outros como quem cuida dos seus. Era presença firme, palavra serena, respeito conquistado na honestidade dos dias. Sua morte não foi só a perda de um homem. Foi o rasgo de uma história inteira. Um corte na alma de quem fica. Uma violência que arrancou de seus filhos o direito de crescer com o abraço do pai, e de sua mãe, o orgulho cotidiano de tê-lo por perto. Desfez uma rotina, uma casa, uma paz.
“Meu pai não era bandido”, disse a filha, com a voz partida entre o choro e a raiva. E não era. Era justo, era decente — desses que vivem na linha tênue da esperança num país em que o cidadão de bem morre e o criminoso sai pela porta da frente de uma delegacia. Os filhos, pequenos, ficaram atordoados. Desorientados. Crescerão agora ao lado de uma ausência barulhenta, de uma saudade que queima devagar.
A dor do pai de Edinaldo é bíblica, é mitológica. É a dor de Príamo, que se ajoelhou diante de Aquiles, rei vencido pela tristeza, implorando o corpo do filho Heitor. Não há dor mais contrária à ordem do mundo do que a de um pai que enterra seu filho. Como Príamo, o pai de Edinaldo encara um vazio sem nome, tentando encontrar sentido num ato sem sentido. Não houve guerra, não houve duelo — apenas um silêncio armado que interrompeu uma vida que só queria seguir em paz.
Para Angela Delma dos Santos, mãe de Edinaldo, o luto não tem linguagem. A morte do filho dilacerou um laço que vinha de dentro, de antes, de sempre. Não há remédio para esse tipo de ausência. A casa ficou muda. O tempo, oco. Onde antes havia a risada, o gesto, o cuidado, agora só resta o eco. A dor da mãe é um deserto sem fim. Ela não apenas chora seu menino — ela grita, exige, se recusa a deixar que a injustiça se acomode na sombra do esquecimento. A travessia tem sido cruel, mas ela segue. Pelo filho. Pela verdade.
A indignação não parou em Tartarugalzinho. Espalhou-se pelo Amapá como um clamor coletivo. A sociedade sentiu o golpe. O crime foi brutal, frio, sem honra. A reação foi uma só: não podemos aceitar.
Angela apareceu em vídeo, rosto cansado, olhos que já choraram o que não se mede. "Meu filho era um homem bom e honesto. Portanto, queremos uma investigação transparente. Que o responsável por esse crime pague pelo que fez. Queremos justiça", disse ela, segurando lágrimas que já não sabiam onde cair.
No dia 1º de maio, às 15h30, a Praça Saturnino dos Santos, em Tartarugalzinho, virou altar, tribuna e abraço. Famílias, vizinhos, amigos, desconhecidos — todos foram. Levaram cartazes, orações, clamores. Levaram também a memória viva de Edinaldo. O ato não foi apenas um protesto — foi um poema coletivo contra a violência, um grito feito de amor e indignação.
O nome de Edinaldo foi dito muitas vezes. E com ele, a exigência clara: investigação séria, punição justa, respeito à memória de quem só queria viver tranquilo ao lado dos seus.
Porque quando a justiça cala, o povo grita. E o Amapá gritou. Pela mulher que ficou. Pelos filhos que terão que aprender a viver com a ausência. Pela mãe que insiste. Pelo pai que ainda não entendeu. E por Edinaldo — presente, mesmo na ausência.
Qual é a sua reação?






