GUERRA, TRATADOS DE PAZ E MEMÓRIA ANCESTRAL: A PRESENÇA DO POVO SAAMAKA NO OIAPOQUE
O encontro foi organizado por Benoit Wandi, reunindo pesquisadores, jornalistas e representantes do povo Saamaka.
Após mais de 100 anos de guerra e resistência contra o sistema escravocrata, povos negros fugitivos da escravidão forjaram caminhos próprios de liberdade na região do Platô das Guianas. Entre esses povos está o Saamaka, cuja história é marcada por enfrentamentos, tratados de paz e pela construção de um território autônomo que atravessa fronteiras coloniais e permanece vivo na memória ancestral.
Os tratados de paz e a conquista da liberdade Saamaka
No ano de 1762, após cerca de um século de conflitos armados contra o domínio colonial holandês, o povo Saamaka conquistou sua liberdade por meio de um tratado de paz. Esse acordo reconheceu oficialmente os Saamaka como um povo livre, com direito a um território próprio — que passou a ser conhecido como o país Saamaka, no atual Suriname.
Apesar de conter cláusulas impostas pelos colonizadores, como a proibição de apoiar outros escravizados em fuga, o tratado representou uma vitória histórica e consolidou a autonomia política, territorial e cultural do povo Saamaka.
Fugas, refúgio e a chegada ao Amapá
Durante o período colonial, muitos africanos escravizados e seus descendentes buscaram refúgio em áreas fora do controle efetivo das potências europeias. A chamada região do contestado, entre o atual Suriname, Guiana Francesa e o Amapá, tornou-se um território estratégico de liberdade.
Nesse contexto, registros orais, memórias familiares e estudos históricos apontam para a presença Saamaka no território amapaense, resultado de deslocamentos, fugas e estratégias de sobrevivência que atravessaram rios, florestas e fronteiras coloniais impostas.
A Pedra Sagrada dos Saamaka
Um dos mais importantes símbolos espirituais do povo Saamaka é a Pedra Sagrada, local tradicionalmente destinado à realização de cerimônias rituais. Situada na região do Oiapoque, às margens do rio Oiapoque, descendo o curso do rio após a localidade de Tampack, a pedra é um espaço de profundo respeito, espiritualidade e conexão com os ancestrais.
O tambor Saamaka e a tradição viva
O tambor Saamaka ocupa um lugar central na vida comunitária. Historicamente, foi utilizado como instrumento de comunicação, anunciando acontecimentos importantes como nascimentos, mortes e rituais. Mais do que música, o tambor é linguagem, memória e identidade — um elo vivo entre passado, presente e ancestralidade.
O Encontro Saamaka no Oiapoque
No dia 13 de dezembro, ocorreu o Encontro Saamaka, realizado nos municípios de São Jorge e Oiapoque. A programação incluiu a visita à Pedra Sagrada dos Saamaka, onde foi realizado um ritual tradicional, seguida da visita à Village de Tampack, fortalecendo os laços culturais, espirituais e históricos.
O encontro foi organizado por Benoit Wandi, reunindo pesquisadores, jornalistas e representantes do povo Saamaka, em um momento de troca, reconhecimento e reafirmação identitária.
Participações e depoimentos marcantes
Durante a programação, João Ataíde Santana foi convidado a falar sobre a história dos quilombos do Amapá e sobre a localização e presença de uma população Saamaka em território amapaense, contribuindo para o debate sobre ancestralidade, mobilidade histórica e pertencimento negro na fronteira amazônica.
Outro momento de grande emoção foi a participação da professora Elgra Santos, neta de Saamaka, que compartilhou a história de seu avô e a memória de sua família. Como gesto simbólico e de reconhecimento ancestral, ela recebeu um pano tradicional (Pangui ,kamisha), símbolo do povo Saamaka, e foi convidada a viajar até o Suriname para conhecer o território de onde seu avô saiu, fortalecendo os laços entre memória familiar e território ancestral.
O encontro reafirmou a importância da memória histórica, da espiritualidade e da resistência do povo Saamaka, destacando o Oiapoque como um território vivo de ancestralidade, cultura e liberdade.
João Ataíde Santana
Jornalista | Pesquisador
Portal O Viajante
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