PARA O GOVERNO FRANCÊS AS TERRAS DO AMAPÁ ERAM DE UM PAI AUSENTE
A população brasileira, segundo Charvein, deveria ser tratada como se tratam crianças rebeldes e insolentes que desafiam a autoridade paterna.
No mesmo mês, dois empreendedores de Caiena, Nazard e Coillari, alegaram terem sido impedidos de entrar na vila de Amapá. Em Cunani, um negociante de Caiena afirmou que a população brasileira, muito numerosa, impediu a resistência de uma dúzia de franceses, expulsando-os do vilarejo. Os brasileiros lhe teriam dito, que seria agora o próprio Presidente da República, o Marechal Floriano Peixoto, a estimular o nacionalismo. Pouco depois, ao final desse ano de 1894, Trajano, o capitão do Cunani simpático da causa francesa, sentiu-se ameaçado com a interdição de acesso e, com a ajuda de seu amigo Henri Coudreau, retirou-se para Caiena, onde pediu a criação de uma polícia para a proteção dos franceses moradores da região do Contestado.
A questão da interdição do acesso aos garimpeiros franceses e das denúncias feitas por alguns deles em Caiena assumiu contornos de confronto entre estados e populações nacionais. Mas, na perspectiva francesa esta não seria somente uma questão de disputa territorial em uma região sem soberania definida. O que passou a ser discursado nas tribunas de Caiena era um hipotético confronto da civilização contra a barbárie.
A população brasileira, segundo Charvein, deveria ser tratada como se tratam crianças rebeldes e insolentes que desafiam a autoridade paterna. E como o seu pai, o estado brasileiro, comportava-se como um pai ausente, incapaz de educar seus próprios filhos, caberia à França levar as noções mínimas de civilidade a esses filhos rebeldes órfãos da civilização. Para isso, a disciplina deveria ser ministrada como o exemplo que faltaria a esses brasileiros: com toda a moderação da força, mas com toda a firmeza da lei, da lei francesa, subentenda-se. Este, em resumo, o teor das reuniões tidas durante o mês de março de 1895 pelo governador Charvein com o empresário Daniel Casey, com o Diretor do Ministério do Interior e com o comandante da Marinha, em Caiena.
O objetivo seria o de intimidar a resistência brasileira à exploração comercial na região litigiosa, fato que infringia a liberdade de circulação garantida pela convenção de 1862. Essa resistência civil com 60 homens armados de fuzis a tiro rápido estaria sendo organizada a partir da vila de Amapá por Francisco da Veiga Cabral, alcunhado Cabralzinho, tido pelos franceses como um típico caudilho sul-americano, testa de ferro do governo de Belém. Iniciava-se assim a arquitetura de um plano secreto e extra-oficial de intervenção militar no Contestado que ficaria conhecido pelo nome de Missão Casey.
FONTE: Ofícios de 14/03/1895 e de 27/03/1895, SG Carton 37 E10 (41), CAOM.
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