Racismo Ambiental: a dura realidade da comunidade de Ilha Redonda

Ilha Redonda resiste, mas não pode mais resistir sozinha. Precisamos falar sobre isso. Precisamos agir.

Jul 9, 2025 - 20:14
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Racismo Ambiental: a dura realidade da comunidade de Ilha Redonda
João Ataíde Santana

Todas as vezes que chego a Macapá, me deparo com uma cena que conheço desde muito jovem: a luta da comunidade de Ilha Redonda contra o racismo ambiental.

A lixeira pública de Macapá, que hoje alcança alturas assustadoras, começou a ser instalada nos anos 1990, contra a vontade da comunidade quilombola de Ilha Redonda. Desde o início, os impactos foram severos: o acúmulo de moscas colocava em risco a criação de porcos, galinhas e peixes. O chorume (líquido tóxico proveniente do lixo) atingia as nascentes dos rios e lagos, comprometendo a saúde e a subsistência da comunidade.

Infelizmente, de lá para cá, nada mudou. Pelo contrário: a situação se agravou, e a comunidade, que outrora resistia com força, parece hoje sufocada pelo descaso. O que vemos é o resultado de anos de omissão e de negação de direitos básicos.

Fala de Marlúcia Lobo Cabral ex lidderança – sobre o racismo ambiental em Ilha Redonda

"A lixeira começou a funcionar em 1997, mesmo com muita resistência da nossa comunidade. Após diversas intervenções, foi firmado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), onde ficou acordado que seria construída uma vala séptica, para que o chorume escorresse até uma vala de decantação. Mas nada disso foi feito. Nunca saiu do papel. A tal concepção de 'lixo controlado' é uma mentira.

Todas as análises feitas nas águas dos poços da Ilha Redonda comprovam: estão contaminadas. Sem exceção. Até as águas do rio Matapi estão comprometidas. E isso vem acontecendo há anos, sem providência alguma.

No mesmo TAC, a prefeitura se comprometeu a pagar dois milhões e meio de reais ao quilombo, que seriam destinados a projetos internos da comunidade. Mas até hoje, nenhum centavo foi pago.

Lembro de um episódio simbólico: quando a ministra Matilde Ribeiro nos visitou. Eu mesmo, como liderança na época, pedi para servir o almoço. E, em segundos, o prato da ministra ficou coberto de moscas. Ela ficou espantada. E eu disse a ela: 'Ministra, pra gente conseguir comer aqui, muitas vezes tem que ser debaixo do mosqueteiro.'

As plantas não dão mais frutos, porque as flores mal nascem e já são atacadas pelas moscas. Quando nasce um porco ou um bezerro, as moscas infestam o animal, criam bicheiras e eles morrem. Nós denunciamos tudo isso. Relatamos cada sofrimento. E nada foi feito.

Essa lixeira recebe lixo de quase todos os municípios vizinhos a Macapá. E ainda usam como estratégia dividir a comunidade, jogar um contra o outro, pra justificar a omissão. Dizem que a comunidade não se entende, mas a verdade é que não querem enfrentar o racismo ambiental que nos atinge todos os dias."

Mas afinal, o que é racismo ambiental?

Racismo ambiental é a prática de expor comunidades racializadas, especialmente negras, indígenas e tradicionais, a riscos ambientais e sociais desproporcionais. Isso acontece quando essas populações são colocadas próximas de lixões, indústrias poluentes, obras perigosas ou quando têm seus territórios invadidos sem consulta ou reparação adequada.

No caso de Ilha Redonda, estamos diante de um exemplo evidente: uma comunidade quilombola sendo obrigada a conviver com uma lixeira que agride sua saúde, seu modo de vida e sua dignidade. Isso é racismo ambiental — uma injustiça que precisa ser denunciada e combatida.

O pior? Nada mudou. A comunidade perdeu força diante do silêncio das autoridades. Isso é racismo ambiental: quando populações negras, indígenas ou tradicionais são colocadas próximas a áreas de risco, como lixões e indústrias poluentes. Uma injustiça silenciosa, mas que grita todos os dias para quem vive lá.

PorJoão Ataíde o Viajante.

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João Ataide João Ataide, reporte e administrador do Portal O Viajante.